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alberto lapa

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CARREGADOR DE PIANOS SERRA ACIMA E DEMAIS UTOPIAS DE SOPRO SERRA ABAIXO OU CALCETEIRO DE NUVENS ENQUANTO LUZ HOUVER E HOUVER PERNAS A ABRIR

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

DO MELÃO DE BRUÇOS NA PRAIA OUTONAL AO DARWIN A REVER EM PALIMPSESTO

Não sendo um caso raro na fauna primata e pensante, não deixa de ser notável que aquele indivíduo pareça um macaco, por ter todo o corpo coberto de pêlos, e tenha a culminá-lo, para seu desgosto, talvez, uma careca do tipo inexorável. Das que parecem polidas com arreganho de engraxador dos antigos: meia de cuspo e um cheiro de graxa e pano a puxar pela alma até ao avesso, enquanto assobia e a beata amarelenta se lhe mantém bem colada ao beiço inferior. Não brilho igual. Nem haverá castanhas assadas sequer comparáveis, em sabor e cor, às que na rua se vendem em seu tempo próprio.
Mas não era de vendedores de castanhas ou engraxadores que aqui se tratava. Tratava-se, isso sim, de questões relacionadas com a génese e com a natural evolução das espécies, com ou sem Darwin às voltas no túmulo por via do excesso de impudor científico em quanto se leia.
Tão generosa é a parecença do homúnculo na berlinda com os símios, nossos familiares, que será quase lícito atirar-lhe uma banana, só para lhe medir a reacção. Mas não há bananeiras aqui perto, por azar. Nem a dor de corno se cura com atoardas.
O pior para quem apenas vê, entenda-se –, é que ao lado dele está um mulherão daqueles cuja ascendência será um crime atribuí-la de igual modo à macacada arborícola. Uma obra assim, só um deus a criaria e mereceria usufruir em plenitude. Calvo que fosse e minorca. Como eu, o deus maior de quantos me é dado conhecer.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

REMINISCÊNCIAS INFANTO-JUVENIS OU CIRCUNVOLUÇÕES DA DECREPITUDE

As coisas que eu me diria, se me ouvisse–, digo-me eu, sei lá quantas vezes. Mais bem farei, por acaso, não as dizendo? Há pormenores tão cá de dentro, tão há séculos em nós apodrecidos, que só a temeridade (ou a displicência?) de os pensar já envenena, quanto mais cometer o atrevimento de lhes dar corda faladroeira e fingimento de ouvidos.
Todavia, pior que a censura à própria voz, oral ou escrita, a sós ou em plena praça, seja onde for, não haverá. E o lápis vermelho, como o de outros maus tempos que há quem creia idos, de belo só terá a cor.
Que vivam as papoilas, as sardinheiras, as rosas silvestres e as outras, os cravos, quando e enquanto vermelhões de sangue. quem admita que talvez fosse bem melhor o dia de hoje, se não tivéssemos tido só o vertido pelas flores naqueles dias.

domingo, 22 de outubro de 2006

MANIFESTO MADRUGADOR PELA PAZ À MEDIDA DO MÉRITO

O dia de hoje, domingo, vai de tempestade. Eles avisaram. Lá no alto, no céu que à vista desarmada nem imaginamos, andam olhos espiões a gravitar. Como se por lá andassem para nos dar conta do tempo que há-de fazer, tempestuoso ou pior ainda.
Que bom seria que lá em cima existisse um deus qualquer a controlar o trânsito, obrigando toda a gente a abrir o porta-bagagens e a mostrar tudo o que de facto nele se transporta. Quantas e quão belas surpresas nos esperariam, cá em baixo, onde elas costumam cair.
O curioso é que às vezes até acertam no tempo previsto. E pena é que não acertem em si mesmos a tempo ainda de deles salvar o mundo e quem nele tanto gostaria de viver em paz. Pode ser que um dia, quem sabe? Há horas de sorte –, diz o boné dos cauteleiros a quem lhe passe à mercê da taluda que urge vender.
Azar é demorar tanto.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

DÍPTERO

Basta-me abrir a boca e a palavra
acorda, vibra, voa e vai ligeira,
pássaro ou folha, gota desejada,
aragem breve, areia, pedra tosca.

Mau será mesmo se sair asneira,
quase tão mau quando entra mosca.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

AO PORVIR EM GALERIAS

Atrás de um monte há outro e outro e outro,
muitos montes iguais a quaisquer montes
que sobre a terra elevem horizontes
e os tornem mais distantes de alcançar
por quem tais horizontes muito queira.

Haverá que voar, ou ser toupeira.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

DO REGISTO METEOROLÓGICO AO FRENESIM DE "SACRILEGIAR" SEMPRE QUE

A chuva, ainda mal começada, já é de mais. É chuva bruta. Dessa que bate e quebra e arrasta e mata e enterra o que se lhe ofereça, gente ou gado, pocilgas ou casas, vinhedos e searas ou jardins e cemitérios.
Durante toda a noite o compadre vento clamou por ela. E ela veio, de supetão, sem se fazer rogada, sôfrega como é apanágio de quem ande arredio e às tantas reate o nó que antes amaldiçoara. E agora é vê-los por aí, na rua, de braço dado, ela a encharcar e ele a torcer, a ver quem mais destrói e mais degraus trepa no escadote das audiências.
Estará alguém lá em cima, no céu, a despejar água às baldadas cá para baixo? Se estiver, não há-de ser grande rês, o que comprova que nem tudo o que é bom e puro lá vai parar.
E é por isso que consta o céu está às moscas. Antes o inferno, que é onde irá tombar tudo o que, conquanto impuro, seja bom deveras.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

PIA SACRA

Nada melhor que um peidinho a sublinhar o silêncio das palavras por dizer. Apenas e tão-só um daqueles meio remelentos, ainda no limiar do desastre borda fora da primeira esguichadela de mijo na pia sacra matinal. Ou então, com mijo e tudo, um desses que nós pretendamos eclécticos, modulados em escala íntima, se eco prévio de si mesmos. Ou algo em tudo semelhante, afinal, ao derradeiro estertor proposto pela tripa cagante ao transubstanciar em merda o que antes teria sido, por exemplo, feijoada emporcalhada e vinho e pão mais azeitonas, com o estrondo a liquefazer-se, no fim, dando azo à suprema felicidade de se sentir a alma lavada pela enxurrada vazante cano abaixo.
Varrida assim a ameaça de qualquer crise de mudez predadora– pois o que por aqui mais importa é o prazer de escrever–, somente haverá que reapertar o cinto das calças maila enervante braguilha, logo após missão cumprida com sucesso, e sem pruridos avançar silêncio afora, que o tempo urge pela urgência de não mais se persistir na ancestral estupidez de perder tempo.
Com alguma contenção, entretanto, antes do reaperto de braguilha e cinto: muito quem por aí proclame em altos brados que mais de três sacudidelas é punheta.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

O SEU A SEU DONO EM PESSOAL ENSAIO DE VANILOQUÊNCIA

O homem do leme, tremelicante embora, fez frente ao mostrengo. Que ganhou ele com tal atitude? Um farnel melhorado com direito a vinho de média qualidade? Um vale de compras a rebater em quaisquer cais da rota, desde o do Sodré a Calecute? Um lugar à sombra na arena da história? Um jogo de chaves com que abrir de para os portões do armazém da eternidade? E quem era ele? E como se chamava? E onde residiria antes da viagem? E que provas haverá, se se considerarem a verruma do mito e as sabonárias da lenda, que em pleito comprovem a verosimilhança dos factos narrados? E não era manco, o mostrengo, mesmo que tivesse asas e até voasse à roda da nau a chiar e a berrar parvoeiras sob métrica perfeita?

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

LUCUBRAÇÕES CONSOANTE AS ONDAS EM MAR SEM ÂNCORA NEM DINAMENE

O conveniente é não dar azo a dúbias interpretações, quando aquilo a que aspiremos seja o nó cego dado pelas mãos e pelos olhos, se houver quem neles não creia. A velhice do Restelo vem do Camões operário à disposição das birras de el-rei cachopo no trono. Que desperdício terá sido, para o Poeta, ir ao palácio real ler meia dúzia de versos, a fim de garantir uns parcos cobres para a merenda do dia. E bem pior do que isso seria o vate ver-se obrigado à terraplanagem do cântico conforme a régua autorizada pelas sotainas inquisitoriais. Morreu a pátria com ele? Morreu. Mal empregado em tal pátria. A megera recuperou, anos depois. Ele é que não. Ainda se ao menos houvesse televisão para que o povoléu dele soubesse, mesmo não sabendo ler!… … … … … … … … …

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

ALVOR DE ALVORADA

Branco é o rio com o céu lá dentro,
como se estas nuvens, também elas quase
brancas como nuvens com pudor cinzento,
não tivessem peso de cinza guardada

para um luto a haver. Brancas as gaivotas
beliscando a pele da água parada,
vendo-se no espelho dessa mesma água
sem vida, calada. Brancas as roupas,

brancas as cantigas e branco o silêncio
das mais raparigas que cantar não sabem,
como se estas moças, também elas quase

brancas como o pasmo de chuva no Estio,
não tivessem mágoa de paixão negada.
Branca é a cidade com o céu no rio.

domingo, 1 de outubro de 2006

CAL NOS OLHOS

Com a noite calada na lembrança
de que o dia nascido mais importa,
importa é não calar com a bonança
o que a noite disser fechando a porta.