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alberto lapa

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CARREGADOR DE PIANOS SERRA ACIMA E DEMAIS UTOPIAS DE SOPRO SERRA ABAIXO OU CALCETEIRO DE NUVENS ENQUANTO LUZ HOUVER E HOUVER PERNAS A ABRIR

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

DOMINGO EM TERRA PARA QUE NOS CÉUS SE CANTE E LOUVE QUEM NO-LO DEU

O bronze ancestral do sino faz-se ouvir em repto ao eco, e aí vão eles, em marcha apressada, os borregos, a caminho do lugar onde o pastor os tangerá. Estranho gado, este, o de duas patas no chão e duas no ar, sem préstimo, ao pendurão, porquanto é o próprio rebanho a acorrer ao pasto onde o zagal o aguarda, indiferente a quantas cabeças se lhe furtem para outros pastos, sob as ordens do amo imaginário, em que nem mesmo ele se fia lá grande coisa. Chova ou entre o sol transverso no campanário quando o reumático do sineiro a ele sobe como se aos infernos descesse, está garantida a procura. Sempre há-de haver uma ou mais ovelhas negras a balir de olhos em viés sobre quem chegue, a fingir compunção perante o janelo confessor, a tartamudear perfídias em vez das rezas prescritas como penitência pelo cura, e a abandonar o redil para nele entrar outra vez, não tardará um rosário desfiado de duas em duas contas para mais depressa as descontar.
Cumprir-te-á, pastor, mungir com pertinácia as reses todas até à total secura e tosquiar-lhes a roupagem até à nudez integral. A elas caberá tosar versículos preceituados consoante o calendário e aceitar o que o ministério celeste, em terra, entenda por bem recolher em prol da paz nas algibeiras, sob o modelo e o peso de lingotes tão dourados como a luz divinal do astro-rei.
Porque, sendo hoje domingo, é dia de pasto melhorado, com acepipes, e de envergar a farpela arrecadada e apenas utilizada em particulares acontecimentos, em muito peculiares circunstâncias. Como esta, a de usufruir do pasto dominical. Não fosse a rasoira deste tempo húmido como única verdade irrecusável, e até o sineiro que de igual modo é coveiro e sacristão, além de manco se ajoelharia ao abrir cada caixa de esmolas e louvaria quem os domingos criou para sua eterna glória, assim cá em baixo como lá em cima, amen.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

À GUISA DE CAVAQUEIRA EM CURSO ENTRE O RANHO DO PALATO E O DAS FOSSAS NASAIS

Sinto-me bem, muito obrigado. Não tem de quê. É sempre agradável ver e ouvir alguém preocupar-se connosco. Não parece ser caso para tanta ênfase. Gestos e palavras há que, não indo além da trivialidade, conseguem dizer mais de nós que o mais elaborado dos discursos de apresentação. A saudação entre pessoas que se cruzam na rua, ainda que desconhecidas, sempre foi um hábito são. E continua a sê-lo nas zonas rurais. Mas tem vindo a perder-se e a ser substituído por uma moderna versão de indiferença corrosiva, próxima do escárnio, onde a mudez quase se faz ouvir pela surdez, e aos gritos. Esse é um modo simpático, ou cúmplice, de contemporizar e acabar na aceitação total do actual estado de coisas. Talvez seja, talvez, porque há imperativos cujo peso na balança inutiliza qualquer outro modo de contemplar o mundo em volta de nós. É uma inequívoca realidade que, à nascença, todos nós somos iguais em egoísmo. Pois, e todos seremos diferentes na escolha do antídoto e na posologia aconselhável, começando pela importância, de vulto ou nem tanto assim, que tenhamos imputado à maleita congénita, se lhe imputámos alguma. É de facto preocupante essa contemporânea propensão para a fuga ao relacionamento entre cidadãos no quotidiano, nas tertúlias, nas divagações espontâneas ao ar livre, com a fantasmagoria da misantropia final a voejar lá no alto, pairando sobre potenciais partidários a convencer. Para não falar do isolamento a dois, ou da solidão acompanhada, como é usual definir tão desconforme como vulgar calamidade, de mútuo consentimento e recíproca oferenda na maior parte das vezes. Quando os cientistas quiserem, um dia, estabelecer uma tábua valorativa da relação entre cônjuges num determinado momento, bastará que contem e registem o número decrescente das palavras pronunciadas por ambos durante as também cada vez menos horas comungadas em cada dia. E dias há, e não poucos, quando a senda segue já pela floresta sem hipóteses de retorno, em que uma das mãos terá mais dedos que os necessários à contagem. E beijos trocados? Nem com os olhos. Nem apenas com os olhos em acidental encontro ao deitar e ao abandonar o ringue, onde é o empate o mais repetido, e justo, dos resultados.
Este mundo clamam os arúspices vai acabar à marrada.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

ENTRE A DESVERGONHA E O DESAFORO NEM UM PASSO DE CARACOL

Ainda ninguém reparou no cartaz em que o zé pinóquio faz olhinhos aos eleitores que tanto almejaria ter, e de sobremodo aos que perdeu para outrem, ao avançar desde já para a campanha das aldrabices de congénita fabricação? Pobrezinho! Vede como ele os semicerra e põe em bico, belos, gentis, arrasadores! O pobre mais pobre é aquele cuja pobreza começa e acaba em si mesma, por detrás dos olhos, estejam ou não a fazer olhinhos capciosos aos eleitores que não tem (?). E os quinhentos mil e tal desempregados, por enquanto, de sua exclusiva autoria? E os professores vilipendiados pelos cachopos às ordens do ministério e de quem os pariu ou fez parir? E os polícias obrigados à mudez conspirativa dos tempos que já se acreditava estarem mortos e enterrados? E os novos quarenta ladrões conluiados com o próprio ali-babá, para que no fim comam todos e se transforme a caverna em memorial da memória curta do povo, essa alimária? E a contradança de becas e togas, não esquecendo as dos escrivães, entretidas a adiar para depois de depois as sentenças, que já antes de antes esperavam por melhores dias?
Valha-nos são futebol, em seus múltiplos altares, que já o celibatário das botas, antes da cadeira o trair, abençoou e protegeu para dele ter o respectivo proveito em mansidão e obediência da plebe. Valha-nos também a raridade das virgens, tenham ou não algum filho de algum velho carpinteiro como pai oficial, quando ainda hoje se desconfia da pomba. Valha-nos o bandulho a atestar de qualquer jeito, tendo com quê à mercê, ao dar vivas à república e à mana desnaturada, devassa e concupiscente como só ela, a democracia. E valha-nos, porque é de todos e para todos, a santa televisão. É ela que leva o cálice da missa aos piedosos, se os piedosos não vão à missa nem bebem, suspeitosos do dito milagre que da água arrancou vinho. É ela que na língua-mãe vai instilando outras línguas parasitas, poupando-a para os literatos e demais agrimensores do silêncio entre teias e aranhiços. E é dela a responsabilidade maior pelo controlo demográfico, tanto para baixo como para cima, haja com quem e ferramenta.
E tudo isto por causa de um cartaz caricato em que o zé pinóquio faz olhinhos aos eleitores desmemoriados. Só esses votarão nele. E pena é que sejam muitos. Tantos como os que são de mais. Mas cada povo tem o governo que merece —, dizia aquele gordo de chapéu de coco e charuto, que também não foi grande espingarda. O que ele soube foi dizer coisas interessantes para a posteridade citar.
Tivesse o salazar um magalhães, e ainda hoje lá estaria no poleiro, de onde, por nossa sorte, caiu. Vamo-nos preparando, que este impostor é muito novo ainda. Tal-qualmente o outro, quando se alcandorou ao dito, onde esteve a cacarejar, e não só, quarenta e tal anos.

terça-feira, 30 de junho de 2009

A QUANTO A INTROVERSÃO DÊ PROVIMENTO SEM PEDIR CONTAS POR ORA

O amargor é físico. A amargura é mental. Não há que confundir. Mas tudo o que na mente se manifeste é também físico, considerando que lá no cimo, nessa quase infinitude de curvas e contracurvas cerebrais reconhecidas, há-de haver um qualquer corpúsculo anónimo a emitir ordens a quantos o envolvam; ou apenas a remexer-se, enervado, e a fazer remexer os outros, provocando ondas através da treva e dando à luz, nos olhos, na voz e nos gestos, no peso dos passos, o carrego de dúvidas e questiúnculas que numa única palavra, amargura, se dão a ver e a ouvir de muito clara maneira. Vivam os introrsos, utentes por excelência do que tal palavra tem de essencial. Só eles saberão como se pega a dita pelos cornos ou dela se aguentam as marradas contra o tino, o sempre ausente em parte incerta quando a hora de apresentar armas se impõe sob a estridência do clarim.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

REGRESSANDO A CASA AO DOMINGO SEM SE VIR DA MISSA

Na rádio ou na televisão, em manhã de domingo cedo acordada, está a dar missa. E a velha, viúva, está à janela, convicta. Aos bramidos do pastor, altissonantes, junta-se a consonância melíflua e monocórdica do rebanho. A imensidão do firmamento começa e termina ali, a dois passos de quem passe em frente desta casa, em frente desta janela, se é o céu presumamos sem pejo que ali se vende e compra. Que ali se crê ou anseia ao alcance da mão.
Faz lembrar, essa tão quase tangível devoção comerciante de mamas velhas pousadas no parapeito e cantochão a ganir lá dentro, a euforia alienada dos cachopos, mal acabados de encartar, com as colunas de som do carro na máxima provocação e o batuque de serralharia a ser cauda nos ouvidos e nos olhos ou mesmo na ira obscena das mãos de quem, talvez sem culpa formada, lhes sofra o escárnio.
E também trará ao de cima das ideias o fanatismo daqueles paisanos cujo transístor, agarrado que nem lapa a uma das orelhas, percorre a praça pública e parece fazer questão de, aos uivos, a pôr a par do que num qualquer relvado acontece, do resultado do jogo, dos principais lances, que hão-de depois ressoar pelos jornais de fraga em fraga até à inquietação, na semana seguinte, de mais um jogo, a ouvir de igual maneira em andamento pela rua acima e abaixo.
Em todos os casos, é de poluição que se fala. Há que atacá-la.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

ONDE SE CONTE UMA HISTÓRIA QUE BUSQUE SER ADIVINHA ONDE JÁ SÓ FALTE DE QUÊ

Era uma vez uma palavra feia, chame-se-lhe assim. De uso não muito recomendável num qualquer momento, num qualquer lugar, perante quaisquer ouvidos, também com toda a propriedade se lhe atribuiria o rótulo de asneirola, de palavrão, ou mesmo, invocando algum rigor linguístico, de obscenidade. Para menor sacrifício às mãos da erosão das cordas vocais, entretanto, sacrifique-se antes o rigor e designe-se, como se alvitra à partida, por palavra feia. E feia, tão-só, por se saber interditada, por ter intuito verruminoso ao irromper, e não porque a semântica lhe impusesse algum aguilhão mais bicudo nos efeitos, ou porque a contextura gráfica do texto se propusesse desarmónica com ela a sobressair lá dentro, ou ainda porque a específica sonoridade da adjunção silábica resultasse menos agradável na pronúncia. Cumpre até informar, aliás, que no caso em pose se trata de um monossílabo, uma pouca de coisa nenhuma de som gutural, redondo, conciso, fácil de mais, inclusive, e por isso propenso a deslizes.
Tendo ascendência tão ancestral e tão semelhante a tantas mais, terá aparecido por a vaguear nas escrituras, como por obra do acaso, há talvez cinco ou seis séculos. E por aí se foi ficando, saltitante de boca em boca, primeiro na treva e depois às claras, e assumindo sem peias e em definitivo o formato presente. Simples, mas exacto. Toda a gente aprendeu e apreendeu, de bom grado, o então novo vocábulo, e sem guardar segredo o guardou na liquidez por debaixo da língua, pronto para saltar e atacar preconceitos e pruridos, ao mais tremelicado dos ensejos por descuido, quando esses mesmos pruridos e preconceitos teimassem em ser equipa de ataque ao bom senso.
Como substantivo paralelo de outros autorizados a circular por onde bem lhes aprouver, desde tratados científicos a novelas de cordel em versão televisiva por não se verem apodados de asneiredo do mais comezinho em imundícies —, tem consagrado o direito, no entanto, de figurar em dicionários, enciclopédias, léxicos. Ou todas as prateleiras onde se arrumem e se encham de poeira as milhentas palavras a não saber ler, a não saber ouvir, a não saber dizer. Nem a escrever.
É um monossílabo, portanto, na versão agora ao dispor. Mas quando os gládios imperialistas, como invasores, começaram a sussurrá-lo e a segredá-lo ao ouvido dos invadidos, ainda era um dissílabo a pedir trato e arreganho de oficina, o que de facto aconteceu, como já antes se disse, muitas centúrias depois. E tem primos, todos eles parecidos uns com os outros e com ele, espalhados por quantas terras e línguas foram varridas pelos mesmos gládios romanos. E também tem filhos e filhas às dezenas, aperfilhados ou bastardos e todos eles passíveis de reconhecimento por terem o nome de quem lhes deu vida no seu, um dignificante privilégio, nem mais, a mensurar.
Se nestes túrbidos tempos em avanço se promovesse um concurso de popularidade, no mundo peculiar das palavras mais vezes ensopadas na saliva que as obrigue a cair na rua, esta, apesar de minúscula e por paradoxal que se considere, estaria à frente de todas e em simultâneo por detrás de quantas dela fossem concorrentes. Mas nisso, embora à ganância observado na antes referida turbação contemporânea, bom será não mexer muito. Que ledo e quedo se finque, ou o andaço ainda ganha asas e sem contenção se propaga e chega a todos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ENQUANTO O TEMPO QUE FAZ FIZER TENÇÃO DE CONTINUAR A MATANÇA

Quanto mais rigoroso for o Inverno, mais velhos morrem. É a lei dos mais débeis a ceder o passo aos de vida ainda em progressão e não já em queda desamparada, sabe-se bem para onde e para quê. Vão será qualquer esforço de inverter o sentido ao andamento ou de outorgar aos calcanhares o comando das operações. Nem parar, por instantes que seja, é possível, quanto mais recuar ou mudar de direcção.
Também se pode condescender, com certo jeito, que há em armazém excesso de velhos. Então não é essa a opinião dos entendidos, quando se engalfinham acerca do gradual envelhecimento da população e da cada vez mais generosa esperança de vida? Se todavia se perguntar a um qualquer velho se ele como velho se admite na hora de içar velas e zarpar, concluir-se-á sem surpresa que nem um só marujo, entre os inquiridos, reconhece sequer um nó das artes de marear. “Velhos são os trapos”—, comentarão a meia voz de si para si.
O frio, segundo o mensurável na berlinda, enrija e conserva. Mas não passa a pele a ferro, não restaura as artroses, não desembacia a vista, não reconstrói dentes de morder a sério, não restabelece o equilíbrio entre procura e oferta do viço, vulgo presunção de o ter ainda. E nem revivifica e reedita o simples gosto de sonhar, fazer projectos, antever viagens aos confins do tempo, revisitar paixões e dores sofridas como purgação, reescrever cartas de amor sem resposta nem dinheiro para o selo, tornar na imaginação a saltar muros vizinhos e a roubar fruta, restabelecer o nexo de causalidade entre quem deveras se tenha sido e quem se quis, recuperar a crença infantil na imortalidade. O frio é o fim, aliás, da jornada pontificada por todos os passos dados em torno da sombra deitada aos pés, qual cachorro obediente ao momento de ter com que entretenha a dentuça no caçoilo.
A velhice é um anátema, qual expectativa a gorar-se antes da eclosão de coisa alguma, lamparina a apagar-se por falta de azeite, mistério a desvendar-se como lobreguidão impenetrável por sarcasmo. E aquela ideia antiga de ainda se ouvir o cuco com o advento da Primavera, ou com o séquito do Inverno de malas aviadas e em viagem até à berma de além do Outono, esse finca-pé temporal como marca a respeitar já não resulta, já não é impedimento da partida. Nem há já cucos como havia dantes, e os que houver são de aviário.