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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ENQUANTO O TEMPO QUE FAZ FIZER TENÇÃO DE CONTINUAR A MATANÇA

Quanto mais rigoroso for o Inverno, mais velhos morrem. É a lei dos mais débeis a ceder o passo aos de vida ainda em progressão e não já em queda desamparada, sabe-se bem para onde e para quê. Vão será qualquer esforço de inverter o sentido ao andamento ou de outorgar aos calcanhares o comando das operações. Nem parar, por instantes que seja, é possível, quanto mais recuar ou mudar de direcção.
Também se pode condescender, com certo jeito, que há em armazém excesso de velhos. Então não é essa a opinião dos entendidos, quando se engalfinham acerca do gradual envelhecimento da população e da cada vez mais generosa esperança de vida? Se todavia se perguntar a um qualquer velho se ele como velho se admite na hora de içar velas e zarpar, concluir-se-á sem surpresa que nem um só marujo, entre os inquiridos, reconhece sequer um nó das artes de marear. “Velhos são os trapos”—, comentarão a meia voz de si para si.
O frio, segundo o mensurável na berlinda, enrija e conserva. Mas não passa a pele a ferro, não restaura as artroses, não desembacia a vista, não reconstrói dentes de morder a sério, não restabelece o equilíbrio entre procura e oferta do viço, vulgo presunção de o ter ainda. E nem revivifica e reedita o simples gosto de sonhar, fazer projectos, antever viagens aos confins do tempo, revisitar paixões e dores sofridas como purgação, reescrever cartas de amor sem resposta nem dinheiro para o selo, tornar na imaginação a saltar muros vizinhos e a roubar fruta, restabelecer o nexo de causalidade entre quem deveras se tenha sido e quem se quis, recuperar a crença infantil na imortalidade. O frio é o fim, aliás, da jornada pontificada por todos os passos dados em torno da sombra deitada aos pés, qual cachorro obediente ao momento de ter com que entretenha a dentuça no caçoilo.
A velhice é um anátema, qual expectativa a gorar-se antes da eclosão de coisa alguma, lamparina a apagar-se por falta de azeite, mistério a desvendar-se como lobreguidão impenetrável por sarcasmo. E aquela ideia antiga de ainda se ouvir o cuco com o advento da Primavera, ou com o séquito do Inverno de malas aviadas e em viagem até à berma de além do Outono, esse finca-pé temporal como marca a respeitar já não resulta, já não é impedimento da partida. Nem há já cucos como havia dantes, e os que houver são de aviário.