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alberto lapa

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

CRÓNICA DA PAIXÃO POR VITUPÉRIOS SOBRE O RISCO A NÃO PISAR NEM DE LONGE

Era num tempo em que o tempo parecia andar ao contrário, como se os relógios tivessem ensandecido, obrigando os ponteiros a rodar em sentido retrógrado. Nada de positivo se prenunciava. As expectativas eram tão nulas como rezas dirigidas a um deus inexistente. A própria esperança de vida individual já nem ia além da ambição de estar vivo na manhã seguinte. Crise, como palavra de ordem, ganhou o estatuto de justificação de tudo o que de outro qualquer modo não se pudesse justificar, entender ou, no mínimo, tolerar. Foram postas em causa, e num sem-número de casos sonegadas, vilipendiadas, desacreditadas, as grandes conquistas que a tão comemorada revolução libertária, no século anterior, tinha alcançado.
Os inevitáveis governantes da nação, porque eleitos em sufrágio dito democrático por essa massa bruta dita o povo, conseguiam impor-se como um conluio de trapaceiros chefiados por um idiota, e tudo isso sob a égide de outro esperto, o supremo guardião da pátria, também empoleirado nas telhas por penedia muito próxima da dos outros, os que no crime da outra eleição teriam culpa e por tal se arrepelavam e remordiam. Como resultado da actuação de todos e de cada qual com o seu particular contributo, nunca o turpilóquio "político" se soubera tão ao nível do esgoto por onde se faz escorrer a enxúndia. Não havia um único, a começar e a acabar no chefe, cujos actos não suscitassem reparos de pronto minimizados. Era apenas a podridão consagrada a si própria como lema e norma de conduta, com aplauso e conivência dos que, nascidos no rés-do-chão ou na cave, nem ao primeiro andar se atreviam a subir os olhos, quanto mais protestar contra quem eles elegeram, com uma cruz milimétrica, para o bem e para o mal, assim fosse até que fosse, quando fosse. E no centro do desvario, imunes às dentadas da lei mandante por eles patrocinada (enquanto detentores de alguma pasta governamental com direito a automóvel e motorista fardado), os impávidos mentores da guerra aurífera, porque afinados pelo mesmo lamiré de muitos biliões de notas, faziam guerra uns aos outros, embora com estratégias combinadas e resultados previsíveis, onde todos comeriam a fartar desde o primeiro tiro, desde a abertura fingida até ao fecho a fingir das hostilidades. E alguns desses larápios de cartola e bengala ou pingalim, embarcadiços de iate, cavaleiros ou golfistas, ainda se enfatuavam em público, agraciados com pomposas condecorações, no dia de aniversário da pátria.
O chefe do governo era, como já se disse, um idiota. Sem necessidade de grande transigência na comparação, fazia lembrar um catraio mal comportado, birrento, caprichoso, petulante, com a parvoeira de uma arrogância recarregável desde a infância de bibe engomado. E nada o faria mudar. Ou talvez só a morte, com alguma sorte, pois dar crédito à utopia dos milagres é imbecilidade. Teimoso que nem um asno dos mais teimosos, injusto será, no entanto, para o asno, pôr em hipótese sequer uma tal confrontação. O asno é um animal simpático, obreiro, e muito bem munido de ferramenta, como é sabido, o que só por si já chegaria para contraditar o cotejo.
O ministro das contas mil vezes feitas era fraco em matemática: tudo para ele batia certo sem tirar provas, bastando-se com a promessa de crescimento a confirmar adiante, ou a negar, pelo amarelo sorridente de uns anedóticos cagagésimos ao ano, para baixo ou para baixo. Já o ministro capataz das obras a obrar consoante quanto, um homem de grandes rasgos metafóricos, sabia do ofício, sabia; e terá sido por isso que sem quaisquer pruridos se afirmou como um dos mais expeditos a enriquecer, em velocidade, sobre carris ou através do ar, esta nação de apeadeiros e apeados. O ministro encarregado de dar colorido aos gráficos da vassalagem económica (a fim de inocular mais peçonha a quem os considere como cartilha de salvação das espécies), abstracto em relação ao espectro embandeirado ao lusco-fusco na singeleza do arco-da-velha, era daltónico. O ministro cuja responsabilidade maior seria a de contar todos os dias os desempregados (para que ninguém ousasse deturpar e achincalhar a evidência do sucesso da política em aplicação, atendendo à cada vez mais extensa fileira dos interessados em descobrir o modo de não viver à custa de outrem), também não se reconhecia como grande amante da arte de fazer contas, faltando-lhe dedos em quantidade para tanto e sobrando-lhe unhas mas sem jeito para tocar rabecão. Quanto ao ministério de mazelas e andaços como sistema instalado para engorda de seus menestréis actuantes, era um covil de intocáveis a soldo, com este ou aquele ou aquela no comando da comandita, sem que a debelação de andaços e mazelas, primordial objectivo, ao que se cria, merecesse atenção em conformidade e fosse paradigma de eficácia na governação a seguir. A ministra das escolas, matrona menopáusica sem historial reconfortante a relembrar, devia ter ascendência nas tribunas inquisitoriais de boa memória, tal era a metodologia perfilhada e infligida como certeira no ataque à lassidão e à preguiça da horda de professores, preceptores, docentes, mestres, pedagogos, educadores e próximos ou similares. E outros ministérios havia em funções, desta área ou daquela (o das leis a serem impostas ou não com preço à vista, o das negociatas na estranja, o das fardas a engordar sob ameaça de rebelião, o de arrumar à bordoada qualquer manifestação contrária à cor no poleiro, o de acicatar o dispêndio em letras e literatos a metro ou ao quilo, etc.), e secretarias e secretários ou secretárias, e assessoras e assessores, tudo ao molho, em frenética cavalgada de valquírias a caminho de implantar e imortalizar, a ouro, os respectivos nomes nos anais da história pátria, glória suprema, em terra ainda e depois, lá nas alturas.
Para grande mágoa dos historiadores votados à pesquisa de escritos, antigos ou actuais, nunca se descobriu a que lugar do mundo e a que tempo se refere o texto em curso. O palimpsesto, onde algum copista decrépito o quis iluminar e conservar aquém das trevas carunchosas da censura, já fora utilizado e raspado vezes de mais, era de duvidosa origem, e também a decrepitude nele se fizera instalar como hóspede não convidada. Mas aceitam-se candidaturas à parecença com algum ponto do planeta onde tais avejões tenham ninho e ponham os ovos a chocar. E não haverá mesmo outros exemplares por aí, escondidos de tão escarrados em frente de olhos e pasmos, noutros pontos, noutros planetas, noutras galáxias? Pode ser que não. Quem dera que não.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

DA INUTILIDADE DE FALAR DE MAIS À QUE É PRECISO OUVIR SE SE FALAR DE MENOS

O almoço está meia hora atrasado. Aproveite-se o atraso para digerir outros temas de não menor substância, ou ainda sai desperdício. Que essa léria de perder tempo na vida, equivalente a não viver, nunca foi recomendável a ninguém. E em particular a quem já desça a vertente oposta àquela por onde tenha subido. Merecerá ouvidos a referência à voluntariedade de empreender uma dieta radical em prol da saúde, primeiro, e só depois da elegância? E quantos milhares de bocas não se fecharam para sempre, roendo dentes, desde que este texto tomou balanço e começou a gatinhar? Preocupá-los-ia a sujeição a apertar o cinto como remédio contra o exagero das correntes de ar entre a pele e a roupa, quando roupa houvesse e não apenas pele?
Como todos os lugares-comuns, está velho e relho aquele chavão que diz não ser sequer comparável a fome de um almoço atrasado à fome assassina por inanição. E deplorável é que assim seja. Bem mais fácil e eficaz seria o combate ao flagelo desta, se aquela estivesse presente nas conferências de salvação da humanidade. Para os conferencistas salvadores do mundo seria mesmo o único modo de os pôr a falar do mesmo ao mesmo tempo. E com resultados.
“Já está pronto o almoço”—, diz alguém a alguém, quiçá também um candidato a salvador da humanidade em fase de engorda para efeito de consolidada resistência ao sofrimento da fome.