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quinta-feira, 10 de agosto de 2006

CRÓNICA MAL ALINHAVADA SOBRE A LEI DAS COINCIDÊNCIAS

Era uma cidade tão grande num país tão pequenino, que as fronteiras do país coincidiam com o perímetro da cidade. Nenhuma possibilidade haveria de alargar os limites da urbe, no futuro, como auspicioso sinal de progresso, por não haver país além dela.
A rede viária nacional resumir-se-ia ao complexo de ruas e avenidas citadinas, nem se tornando necessário manter os comboios a circular a céu aberto. Na melhor das perspectivas, desceriam ao nível abaixo do nivelamento andante, transformando-se em metropolitano a ligar entre si os bairros da metrópole, a promover a junção dos habitantes da nação. E sem haver montes e campos a amanhar, também não se faziam explorações no sector agrícola, no da pecuária, no das pescas, o que obrigava a despesas, por um lado, porque tudo se importaria do estrangeiro, mas, por outro, faria com que se poupassem milhões por não serem precisos ministros a ministrar nesses ministérios. Sobre as forças vivas de intervenção, reduziam-se a um punhado de sinaleiros à moda antiga e a outros tantos polícias de orientar turistas, já que o povoléu por nascido, ledo e manso como anhos sem perguntas, não era daqueles de causar danos à ordem pública.
Quanto ao resto, era em tudo igual a tudo: tinha maridos e mulheres, tinha filhos e escolas e colégios, tinha grandes prostitutas mediáticas e putas reles de aluguer sem quarto, ébrios intelectuais e borracholas com letras devolvidas ao banco, actrizes e actores à frente e atrás, um ou outro pintor ainda crente na arte e músicos desempregados a suar semicolcheias nas obras, mil e um maltrapilhos vagabundos a chupar sopas à borla, miseráveis larápios de alpercatas e ladrões banqueiros abancados sobre a miséria colectiva, empresários sempre a viajar em torno do globo sobre a rota da seda fiscal, arquitectos e engenheiros e correlatos empreiteiros da construção civil e demais gatunagem sem alvará nas conservatórias, políticos, juízes e advogados, carteiristas e carteiros, médicos, enfermeiros e doentes, vendedores de céu a metro e benquerenças milagreiras ao domicílio, e padres sem fé nas bênçãos que neles compensem os ardores do celibato. Tinha tudo aquilo que é de ter num país e numa cidade, ainda que coincidentes.
Segundo o olho atento dos astrólogos com banca televisiva e impostos pagos ou não, antevê-se a média distância temporal um terramoto de efeitos devastadores, o que nem será inédito, aliás. Já em seu tempo a terra tremeu nesta zona planetária, deixando-a parecida com o que se diz ter acontecido à utópica torre de Babel, milénios antes.
E o que é mais grave, a confirmar-se o vaticínio, é que marqueses com tomates, como o outro, já não há.